Uma história de luta: ocupação e resistência da comunidade
Indiana Tijuca
Autoria: Comissão de moradores (Inês Ferreira, Rosinaldo
Lima, Anamarcia Rodrigues, Regina Lisboa, Maria Ozilene, Marcello Deodoro,
José Carlos , Jorge Cerqueira e Antônio
Carlos Hipólitio)
Co-autoria: Daniela
Petti
Resumo
Esse trabalho retoma a história da ocupação da comunidade
Indiana Tijuca, ressaltando suas relações com o Estado e com a sociedade civil,
bem como seus esforços para construir uma vida comunitária dinâmica e pujante.
Além disso, consta no texto uma descrição detalhada do processo de remoção
vivido pelos moradores da Indiana, e das diversas formas encontradas pela
comissão de moradores de resistir à política remocionista do PMDB, denunciando
as violações de direitos perpetradas pelo Estado, e reivindicando regularização
fundiária e urbanização do território. Dessa forma, o presente trabalho, ao
realizar o exercício de retomada da história da localidade e mapear seus
esforços de resistência junto a muitos parceiros, reafirma a legitimidade da
Indiana Tijuca, enquanto uma favela consolidada, que possui o direito à terra
em que vivem seus moradores. A atuação dos moradores da Indiana consiste em um
claro exercício de cidadania urbana, apesar das atitudes de descaso e
negligência da prefeitura na medida em que não os respeita enquanto cidadãos. A
trajetória da Indiana Tijuca figura como testemunho de luta pela permanência
para muitas outras comunidades que hoje encontram-se ameaçadas de remoção.
Introdução: história da ocupação e cidadania urbana
A Comunidade Indiana se originou por volta de 1957 com a
ocupação da família de Dona Amélia Igdorne, que veio da Cidade de Campos para o
Rio de Janeiro. Ao instalar-se em um terreno vazio à direita da Rua Paul Underberg (hoje conhecida
como Edifício Maracaí), a família de Dona
Amélia permaneceu por 10 anos, até ser expulsa pelo proprietário do terreno,
que tinha como objetivo dar início à construção de um prédio. Com o inicío das obras, a família de Dona
Amélia foi transferida pelo próprio engenheiro
para um local próximo, recebendo uma casa em área livre de construções. Em
pouco tempo, parentes de Dona Amélia começaram a chegar e construir seus próprios barracos na
localidade. Fluxos de pessoas
advindas, principalmente, das regiões Norte e Nordeste começaram a
chegar no local, contribuindo dessa forma para a ocupação da região,
inicialmente conhecida como “Irmãos Coragem", e atualmente denominada “Indiana”. Há mais de 50 anos,
teve início a ocupação do sopé do Morro do Borel, na Zona Norte do Rio de
Janeiro, território que hoje abrange a favela Indiana Tijuca.
Ao longo de cinco décadas, 600 famílias passaram a habitar o
território da favela. Dona Maria Alves dos Santos de 82 anos chegou à
comunidade durante o início da ocupação, constituindo moradia na Indiana há 50
anos. Ela relata em entrevista que "desde que vim morar aqui dizem que vai
sair, mas nunca saiu”[1].
Dona Maria atenta para o fato de que a ameaça de remoção da comunidade - ao
menos em forma de boatos - sempre rondou o cotidiano de sua família, bem como
de outras que ali habitam. É muito comum de se ouvir relatos como o de Dona
Maria, inclusive, em outras comunidades da cidade. Muitos apontam a remoção
como uma possibilidade que se apresenta cotidianamente para os moradores de
favelas do Rio de Janeiro. Essa regularidade denota a incerteza que marca o
habitar das classes populares nas comunidades cariocas. Seja de modo formal - por
meio de reuniões e documentações do Estado - ou informal - por meio de boatos
-, a ameaça da remoção, ou do "vai sair", faz parte da vivência de
muitas famílias, e cumpre o papel de intensificar as sensações de insegurança e
indeterminação que permeiam tais cotidianos habitacionais.
Depois que a área se conformou em um aglomerado de casas,
formou-se em 06 de julho de 1979 a associação de moradores, com o CNPJ
30.486.898/0001-10, apresentando-se desde então aos órgãos públicos como Associação
de Moradores da Favela Indiana. A criação de uma associação de moradores,
seguida da manutenção de tal órgão como instância de representação da favela
atesta uma vida comunitária ativa, bem como a existência de moradores/cidadãos
preocupados com a luta pelo reconhecimento, tanto pelo Estado, como por
diversos outros grupos que compõem a sociedade civil. A busca por
reconhecimento da Indiana apenas se inicia com a criação da associação, podendo
ser identificada em muitas outras ações mobilizadas por seus moradores em outras
ocasiões da permanente luta contra as remoções.
A comunidade recebeu serviços de luz e coleta de lixo, assim
como uma creche do estado do Rio de Janeiro (construída no governo Moreira
Franco na década de 80). Os projetos Guardiões dos Rios (em parceria com a Rio
Águas e, atualmente, subsidiado pela subprefeitura da Grande Tijuca) e Agente Comunitário de Saúde
( programa federal de sauúde) também contemplaram a comunidade. Ao longo dos
anos, a Indiana sempre foi visitada por figuras
públicas que exercem cargos políticos, os quais prometem regularização
fundiária para que se
alcance a posse definitiva dos
Imóveis, que atualmente somente têm o registro pela associação de moradores.
Tal configuração de registro de imóveis consiste numa prática comum de favelas
cariocas que reflete posturas ativas por parte dos moradores. Em meio ao
cenário fundiário brasileiro, que restringe o direito de propriedade - por
conseguinte o direito à morar de forma segura -
a determinados grupos sociais, as classes populares manejam formas de
garantir, minimamente, o direito de habitar. O instrumento da associação de
moradores, junto a seus dispositivos - dentre esses o registro de imóveis -,
reflete vivências urbanas ativas e de resistência em relação à configuração das
terras na cidade.
A comunidade Indiana possui registros de memória arraigados
no espaço urbano suficientes para ter sua história reconhecida e legitimada,
tanto pelo Estado, como pela sociedade civil. A dinâmica da vida comunitária,
as relações com as três esferas de poder como forma de usufruir de serviços
básicos e a organização política iniciada por meio da associação de moradores
são indícios de uma trajetória histórica que atribui legitimidade à Indiana,
enquanto uma favela consolidada, e ao constante esforço de seus moradores na
luta contra as remoções. A autoconstrução das casas pelos moradores, processo
que se estende por anos em muitos casos, demonstra um exercício de cidadania,
estimulado a partir de uma atitude básica no espaço da cidade, o morar. As ações
de descaso do Estado são compensadas pelo engajamento dos moradores na vida em
comunidade, fazendo com que os próprios tenham que acionar maneiras de garantir
direitos básicos para a vida urbana. Trata-se de um exercício de cidadania
marcado por uma relação habitantes-Estado carregada de opressão e negligência
por parte do segundo componente dessa relação. A história da ocupação do
território e da luta por direitos autoriza os moradores a, 50 anos mais tarde,
resistirem a um processo violento de remoção que se perpetua nesses últimos 7
anos.
O processo da remoção e as diversas formas de resistir
No ano de 2009, o então secretário municipal de habitação
Jorge Bittar anunciou a remoção completa da Indiana, alegando a necessidade de
limpar os 13.754 metros quadrados de área às margens do Rio Maracanã que seria
urbanizada e transformada em uma praça. A ideia era reassentar os moradores nas
casas do Minha Casa, Minha Vida ( programa habitacional federal) que seriam
construídas na região. Bittar em entrevista chega a citar acordo com a
associação de moradores para realizar a remoção. No início do ano de 2010, a
prefeitura anunciou a remoção de 119 favelas na cidade, incluindo a Indiana,
até o fim de 2012. A partir desse momento, agentes da secretaria de habitação
passaram a adentrar casas e tirar fotografias com a justificativa de que tais
ações tinham relação com a realização de obras de modernização na comunidade[2].
No mesmo ano, houve a implantação da UPP BOREL, o que
significou a pacificação de todo o entorno e o fim dos anos de intensos
tiroteios e sofrimentos
vividos. Percebe-se que a articulação entre a implantação da UPP e a vistoria
nas casas após dois anúncios da remoção da favela não se trata de mera
contingência. Ambas políticas públicas, uma relativa à segurança pública e
outra à habitação, fazem parte de um fenômeno urbano mais abrangente que
ocorre, de maneira muito frequente, em cidades que recebem os megaeventos
esportivos: a gentrificação. A especulação imobiliária, gerada com a
implantação da UPP no Borel, produziu a chamada remoção branca, que atingiu as
áreas de classe média da região. A alta de preços dos imóveis do entorno é um
sintoma/resultado do processo de gentrificação. A remoção da favela Indiana
nesse contexto atende aos interesses dos grupos políticos e econômicos que
objetivam dar continuidade à "valorização" do local. É nesse sentido
que a implantação da UPP e a ameaça de remoção da Indiana compõem fatores de um
projeto de cidade, e não consistem em simples elementos isolados.
No Ano de 2012, a Secretaria de Habitação, na pessoa de Jorge
Bittar, trazido à
comunidade pela associação de moradores (presidente Francisco Silva Santos) e
pelo subprefeito da Grande Tijuca Gustavo Trota, começou a pressionar os
moradores para desistirem de viver na Comunidade, sendo, de inicio,
apresentado o projeto “Bairro
Carioca" em Triagem. A construção do conjunto habitacional
"Bairro Carioca" faz parte do programa "Morar Carioca", que
não gerou muitos resultados na cidade, além de apresentar propostas - como a de
urbanização de favelas - que entram em contradição com a política remocionista
implementada durante os dois mandatos de Eduardo Paes. Pode-se notar uma linha
de continuidade entre a atuação dos agentes da prefeitura no ano de 210, quando
da vistoria das casas, e as reuniões convocadas pela secretaria de habitação
para apresentar o projeto do conjunto do Minha Casa, Minha Vida em 2012. A não
vinculação entre tal vistoria e os objetivos remocionistas enunciada pelos
agentes da prefeitura denota uma das diversas estratégias acionadas pelo Estado
durante os processos de remoção. Muitas vezes, não fica claro o porquê das
fotografias dos cômodos ou da medição da área dos imóveis, fazendo com que os
moradores não tenham total ciência dos objetivos finais das ações estatais.
As primeiras reuniões
com a secretaria no território da Indiana também geraram muitos conflitos
internos entre os moradores. A produção de divergências internas consiste, da
mesma forma, em estratégia da prefeitura para levar diante o processo de
remoção, pois a resistência enfraquece diante de divergências internas. Tanto a
pouca clareza com relação aos objetivos de certas atuações estatais, quanto a
fabricação dos conflitos, geram um cenário confuso, cheio de ambiguidades,
dúvidas e dissensos, que prejudica a ação dos movimentos sociais que emergem de
momentos críticos como as remoções. Os moradores, muitas vezes, não enxergam
lógica nas ações estatais, na medida em que os próprios agentes do Estado se
contradizem, tanto no discurso, como na prática. Todo esse quadro torna-se
interessante para os grupos políticos e econômicos dominantes, uma vez que pode
acelerar a remoção ao enfraquecer as iniciativas de resistência.
O ápice do processo foi no mês de agosto, quando os
apartamentos começaram a ser entregues e as casas eram demolidas sem o mínimo de segurança,
prejudicando as condições de vida dos moradores restantes. Denúncias, reuniões,
solicitações de esclarecimento e nada era resolvido. Nessa época,
formou-se a Comissão de Moradores Indiana Tijuca, composta por 12 membros da
comunidade, que tinha como objetivo fazer frente aos abusos e desmandos da
prefeitura. A Pastoral de Favelas e o Núcleo de Terras e Habitação (Nuth) da
Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro foram contactados pela comissão
para auxiliarem os moradores na empreitada da resistência. Apesar da luta da
comissão de moradores, poucos resultados eram alcançados no sentido de frear o
processo perpetrado pela prefeitura. Em outubro de 2012, porém, os moradores e
o Nuth entraram com o processo que solicitava que a remoção parasse por
completo. Além disso, lutando em outra frente, a comissão deu entrada com o
processo no Instituto de Terras e Cartografia do estado do Rio de Janeiro
(ITERJ), demandando a regularização fundiária. O Nuth e a Pastoral de Favelas
são órgãos que contribuíram, e contribuem, essencialmente, para a luta contra
as remoções na Indiana e em outras comunidades.
Quando da troca do
secretário de habitação
- sai o deputado federal Jorge Bittar e entra Pierre Batista no dia 10 de
dezembro de 2012 - surgiu a liminar que fez com que a secretaria de habitação passasse a escutar
mais os moradores e investisse na via da negociação para tentar convencer os
moradores a desistirem da ideia de lutar para permanecer, o que não aconteceu.
Da pura arbitrariedade à tentativas de negociação, a prefeitura segue
engendrando estratégias e táticas para realizar a remoção total. A sutil
transformação na metodologia da prefeitura tem relação com a luta pela
permanência na frente jurídica, junto aos defensores do Nuth. A luta contra as
remoções é complexa, abrangendo várias frentes: a jurídica - ações, processos e
liminares -, a política - manifestações, atividades, produção de cartazes,
camisas e faixas -, a da comunicação - divulgação de informações e denúncias,
comunicação comunitária nos grupos de whatsapp -, dentre outras.
Para empreender todas essas frentes da luta contra as
remoções, a comissão de moradores se articula com diversos parceiros, como
outras comunidades impactadas
(Comunidade do Horto,Vidigal, Manguinhos, Providência,
Santa Marta, Pavão Pavãzinho), grupos políticos (COMLUTAS, Comitê Popular da
Copa e das Olimpíadas, SINDISPRÉ),
além de inúmeros colaboradores
individuais, determinados políticos etc. A luta é travada tanto dentro como
fora da Indiana, com a realização de reuniões e caminhadas. É notável o esforço
dos moradores no sentido da criação de uma rede composta tanto por grupos e por
apoiadores individuais, como por órgãos estatais - Nuth e ITERJ, por exemplo. A
rede fortalece a resistência, na medida em que contribui para a circulação das
informações centrais do processo de remoção, bem como permite a troca de
experiências entre pessoas que vivenciam o mesmo processo.
No Inicio de 2013, a Comissão de Moradores, tentou
exonerar a Associação de Moradores da Indiana, que ao invés de lutar pela
comunidade, cada vez mais desestimulava a resistência. Isso causava um desgaste
com o poder público e com as parcerias, que ficavam em dúvida quanto às
informações prestadas. A prefeitura dizia que o poder legal era da Associação
de Moradores da Indiana, e não reconhecia um "grupinho" resistente. A
movimentação para destituir a Associação de Moradores da Indiana Tijuca,
foi confusa. Em certa ocasião de
reunião, a subprefeitura, em conjunto com a diretoria da associação, trouxe
vans com moradores já residentes de Triagem, para tumultuar a reunião, o que
gerou um cenário bastante conturbado, chegando ao ponto da UPP despender
esforços para conter os ânimos dos moradores presentes. O objetivo, então, não
foi atingido. O que se vê é a penetração da prefeitura nos conflitos internos
da favela, a fim de servir aos interesses remocionistas.
No dia 16 de maio de 2013, o ITERJ esteve na Indiana e
demarcou toda a sua extensão. Começa na
prática, oficialmente, a regularização fundiária, graças aos esforços da
comissão de moradores e ao empenho de amigos e colaboradores. Devido à
descoberta de um antigo laudo da Georio, os moradores receberam a notícia de
que a comunidade é classificada como de baixo risco. Com o apoio de
universitários da área da arquitetura, a comissão agora tem clareza de que é
possível realizar obras de contenção e viabilizar a urbanização da favela,
tendo em vistas suas características geográficas. A parceria com a universidade
provê um acúmulo de conhecimento advindo de diversas áreas, como arquitetura e
urbanismo, ciências sociais, geografia e direito que potencializa a luta pela
permanência.
No decorrer de 2013, mesmo
estando com esse processo no ITERJ em andamento e tendo o conhecimento de que
existe esse laudo de baixo risco, a comissão de moradores descobriu o que seria
mais um golpe duro contra a luta pela permanência. Trata-se da vinda do PAC 2,
ou seja a perspectiva era a de ter de enfrentar não somente o poder municipal,
mas também o federal. Na reunião do PAC do Salgueiro em que moradores
fizeram-se presentes, chegaram informações de que no terreno da Indiana Tijuca
estaria sendo projetado a construção de 80 unidades habitacionais para os
moradores do morro do Borel, o que significa que após a saída da favela, se o
espaço não fosse transformado em condomínio de luxo, seria um anexo do morro do
Borel. Imediatamente tal fato é relatado para o Nuth e, por meio de um ofício,
a coordenação do PAC 2 é informada de que não poderia jamais realizar tal
absurdo, já que o terreno tem dono, sendo esses
os moradores desde o ano de 1957, conforme registros levantados.
No dia 08/08/2013, após
intensa participação em movimentos sociais, o Comitê Popular da Copa e das
Olimpíadas participou de uma reunião com o prefeito do Rio de Janeiro,
solicitada pelo mesmo. O encontro terminou com alguns compromissos do prefeito,
tais como: garantir a permanência da
comunidade Indiana. O prefeito se comprometeu a ir à comunidade no domingo
(18/8) às 8 horas, para anunciar sua permanência e os processos de urbanização
e regularização fundiária do local. O documento assinado por ele se mostrou
eficaz aos olhos da comissão de moradores, na medida em que daria um ponto
final nas desavenças entre os que desejavam sair do local para morar no
empreendimento imobiliário Bairro Carioca em Triagem e os que desejavam permanecer
na Indiana. A prefeitura em nenhum momento escutou a todos, atentando somente
para os que foram pressionados - e assediados - a sair, e deixar a história da
Indiana em escombros. Tal negociação não foi bem aceita por quem estava
inflando os ânimos dos moradores, mas graças à intervenção do gabinete do
vereador Reimont, o documento foi gerado, atendendo ambas as partes, e assinado
pelo prefeito Eduardo Paes.
Nessa mesma vinda do
prefeito à Indiana, um de seus secretários esteve presente e concordou com
ambos os grupos: o que desejava sair e o que desejava permanecer. Houve vídeo e
testemunhas, mas somente o grupo que buscava ganhar apartamentos foi atendido
e, passados 3 anos desse acordo, nada foi realizado em prol da contenção do Rio
Maracanã, tampouco das obras de infraestrutura dentro da comunidade. As
desavenças voltaram a acontecer, pois as pessoas que ganharam apartamentos, ao
perceberem que a prefeitura não faria mais a remoção, reinvindicaram as suas
casas para poder alugar ou colocar parentes, até ser decidido pela justiça o
que seria feito de fato na comunidade. A prefeitura foi omissa e covarde e,
mais uma vez, colocou a comissão de moradores e os que lutam pela permanência e
por obras de melhoria em total desvantagem. A partir dessa descrição, fica
claro como o Estado dedica-se a se utilizar das relações intergrupais da
comunidade para criar um cenário adequado a suas ações e objetivos. No ano de
2014, a expectativa de que o acordo seria atendido era grande. No entanto,
apesar dos esforços da comissão, a prefeitura foi totalmente arredia e
desconsiderou a aflição dos moradores. A frente de apoio do movimento continuou
sendo a participação nas manifestações e reuniões, conversas com a Defensoria
Pública, bem como tentativas de divulgar, em pleno ano da Copa do Mundo, que a
gestão Eduardo Paes é uma farsa.
No inicio de 2015, para fortalecer a pauta da permanência, o cardeal Dom
Orani Tempesta foi trazido pelos
moradores para realizar uma missa na frente da comunidade, estabelecendo um marco
na história da Indiana. Pela primeira
vez, muitas autoridades públicas vieram ao local, prestigiaram o evento, e
tomaram consciência de que a Indiana estava fazendo a sua parte, ou seja, lutando para permanecer.
Já em meados de 2015, mais precisamente no final do primeiro semestre, a
diretoria da associação de moradores, liderada pelo Francisco Santos Silva, se
rendeu à resistência da comissão de moradores, ao declarar que abandonaria a
associação. A comissão não tinha o intuito de ficar à frente da associação, mas
somente desejava ser escutada pela
instância, assim como fazer com que os moradores permanecessem em suas casas. Outro dilema
então surgiu: quem seria colocado para dar continuidade à associação de
moradores? Por mais que tenha sido cooptada, a mesma faz parte da história da
Indiana,, e nesse momento o movimento
precisava de um CNPJ. As chapas foram formadas: Dona Clarice Afonso , a mais
antiga moradora (octogenária) e Maria do Socorro, ambas da comissão de
moradores. Na data especificada para as eleições, houve a desistência, por
motivos de ordem pessoal, de Dona Clarice, e Maria do Socorro foi eleita por
aclamação, o que ocorre quando não existe a necessidade de certa quantidade de
votos, ou seja, somente é realizada a cerimônia com a presença da instituição
fiscalizadora, nesse caso a FAFERJ ou a FAFRIO.
Após essa nova fase, a comissão de
moradores entendeu que agora a missão iria continuar e que as condições se
reverteriam em favor da resistência.
Infelizmente, as reuniões que eram constantes acabaram e muitos
problemas anteriores voltaram a acontecer, mas, dessa vez, com o afastamento de
colaboradores e apoiadores, que costumavam contribuir para a luta pela
permanência. Por não ter um espaço na associação para trabalhar, o ITERJ parou
de visitar a comunidade - situação que ficou mal esclarecida. A Defensoria
Pública (Nuth) criou, então, um vínculo
com um grupo de estudantes universitários, resultando na construção de uma
grade para realização dos estudos do plano de urbanização da Indiana Tijuca,
algo que era sempre mencionado no processo, portanto necessário para que os
moradores apresentassem em juízo. Esse grupo também se viu sem o apoio da
associação de moradores, o que se tornouum impedimento, na medida em que era
preciso um vínculo entre os estudantes e uma representação formal da comunidade
para dar continuidade ao processo .
A comissão de moradores teve sempre o
objetivo de atrair a atenção pública para poder expressar suas dificuldades e
trazer apoio para a luta, de maneira a não ficar isolada - como "estrela
no palco". O poder tomou conta da associação de moradores e, com isso, a
comissão voltou a ter um adversário interno, que sabia como funcionava a
comissão, suas atividades, decisões, bem como opiniões e divergências pessoais,
o que gerou muito mal estar. Mais uma vez a luta conjunta pela comunidade saiu
de foco, dando lugar aos enfrentamentos internos: a nova associação de
moradores e a antiga comissão de moradores.
No incio de 2016, houve uma perda significativa na luta, a defensora
Maria Lucia de Pontes foi remanejada para ser superintendente do INCRA. Isso
ocorreu justamente no momento em que a
comissão de moradores estava cada vez mais fragilizada, e buscando cobrar as promessas
do poder público. Nessa fase, a comissão ficou , praticamente, ausente dos
movimentos sociais. No entanto, a luta
clamava para que os moradores não desistissem de nada, e as coisas foram
voltando aos poucos ao normal. Atualmente, a comissão está de volta nas
reuniões dos colaboradores, estimulando a comunicação popular por meio do site
e do grupo de whatsapp - que tem se mostrado uma ferramenta fundamental -,
mostrando, em pleno funcionamento, que
ainda existe muito a se fazer para que a luta não seja em vão. A saída de Maria
Lucia demonstrou a importância do defensor público conhecer bem as comunidades
com as quais trabalha, estar sempre colado aos movimentos sociais, já que a
comissão enfrentou muitas dificuldades com defensores substitutos que
precisavam, constantemente, de esclarecimentos e atualizações.
Em 12 de julho de 2016, a decisão
judicial afirmou que não existe nada que comprove a irregularidade da Indiana,
mas, ainda assim, a prefeitura pode
recorrer, pois é um direito dela desde que apresente provas e um projeto que
seja sustentadpo com base em afirmações
técnicas e orçamentárias. Felizmente, em setembro de 2016, a defensora Maria
Lucia de Pontes está de volta ao Nuth, e irá contribuir para reativar as
reuniões dentro da comunidade Indiana, para fazer com que se crie um clima
democrático, o que não se tem no momento. Os moradores, sejam novos ou antigos,
apenas desejam esclarecimentos, e com as reuniões, pode-se sempre garantir
pessoas que saibam que é preciso defender a permanência da comunidade Indiana
Tijuca, pois a remoção é um risco constante, não somente para a Indiana, mas
também para outras favelas da cidade.
Considerações finais
Esse trabalho de retomada da
memória da favela Indiana Tijuca aponta para algumas direções essenciais
relacionadas à questão da terra na cidade do Rio de Janeiro, servindo como
paradigma para os outros diversos casos de remoção de comunidades que hoje
estão em curso. A resistência da Indiana e de outras comunidades se inicia a
partir do momento em que não há garantia de segurança da posse da terra, logo
do direito à moradia, para as camadas populares. O contexto dos megaeventos
esportivos, impulsionado pelo mandato autocrático do prefeito Eduardo Paes - e
do PMDB como um todo - , apenas intensifica a incerteza que perpassa a vida
cotidiana dos habitantes de favelas cariocas.
O Estado, no caso da Indiana
materializado na prefeitura, aciona diversas estratégias para garantir os
interesses dos grupos econômicos interessados no solo urbano.
Desinformação, o uso da oralidade,
negligência quanto aos escombros das demolições e o estímulo aos conflitos
internos são algumas dessas táticas estatais. Principalmente quando existe
resistência, o processo da remoção
costuma ser gradual, bem como violento, arbitrário e pouco transparente. As
propostas de compensação em troca das casas, normalmente, consistem em baixas
indenizações, valores ínfimos de aluguel social, assim como oferta de
apartamentos do programa federal Minha Casa, Minha Vida que, muitas vezes, são
distantes do local original de moradia, de baixa qualidade e custosos para o
morador - mesmo quando a prefeitura propõe a chamada "troca de
chaves", pois acaba se tornando promessa não cumprida. Os moradores não
são reconhecidos pelo Estado, enquanto cidadãos dignos de exercer condições
adequadas de habitabilidade.
É nesse contexto que os
moradores de favelas encontram formas de organização política que fogem dos
modos políticos tradicionais da democracia representativa. Aprendem a agir de
maneira estratégica, repudiando a penetração da poltiica partidária em suas
atitudes, porém reivindicando as instituições na medida em que têm clareza do
cenário em que estão inseridos, já que essas são, em muitos casos, centrais
para a continuidade da luta. Os moradores da Indiana têm o discernimento de
mapear partidos e figuras públicas que estão dispostos a contribuir para a
resistência, assim como estabelecer relações de confiança e apoio com os
defensores do Núcleo de Terras e
Habitação (Nuth) da Defensoria. É na interface do movimento insurgente e da
institucionalidade, que os moradores identificam seus problemas, prioridades e
demandas, e engendram ações coletivas na empreitada contra as remoções.
A história da Indiana serve
de testemunho para muitas outras comunidades que vivem, cotidianamente,
situações semelhantes. Espaços como o Conselho Popular, ou os grupos de
whatsapp, cumprem o papel de articular os grupos comunitários e os movimentos sociais, fazendo com que as
comunidades compartilhem saberes e experiências acerca de processos excludentes
e antidemocráticos, como a remoção. A resistência da Indiana deve ser
registrada e utilizada como objeto de reflexão para a sociedade, de forma que
violações de direitos como as que os moradores sofreram não venham a se repetir
no futuro.
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